segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Poesia sem Quartel - Casa das Rosas - (continuação)

Poesia sem Quartel – Sarau Casa das Rosas 13.8.2016 - 2 (continuação)





ESPERA 
     Aos Metalúrgicos do ABC – 1980

O ódio
     é tamanha a repressão!
O nojo
     são tantas as armas!
A raiva
     diante da impotência!
O grito
     estrangulado nas
     gargantas secas e caladas
     nos músculos tensos
     nos punhos cerrados
     nos corpos sofridos
O cansaço (o medo)
      A vertigem!
Mas uma força, uma grande força
Sustenta estes corpos, fortifica-os:
As máquinas estão lá, paradas,
Dependendo desses braços

Os homens, não mais máquinas
Esperam
Quase trapos, mas homens!
Esperam
Dalila Teles Veras in Lições de Tempo, 1982 (poeminha um tanto quanto panfletário, rejeitado pela autora, mas que na ausência de algo melhor para este dia, serve como memória de nossa história recente)

CAÇADA
            
O dia e sua cilada
surgiram de surpresa.

No instante iníquo
não consegui rastear
a fuga. Sabia-te indefeso
à mira, ao tiro
Despedaçara-te.
Em cega fúria de fera
empunho meu escudo
de veneno e ódios.
Antecipo-me

Retomo-te em meus dentes
e prossigo.

TEMPO DE DESERTO

Quem resiste a esse
tempo de deserto?

Que olhos vêem esse
horizonte cinza?

Quem nos abisma
nessa travessia?

Quem nos legou
escombros e salinas?

Quem permanece vivo
entre esses mortos?


Lara de Lemos (Porto Alegre, 1923, Rio de Janeiro 2010), in  Adaga Lavrada, Civilização Brasileira/Massao Ohno, 1981

BURITI CRISTALINO

             para Lamarca e outros

Ele andou por três dias
na caatinga.
No quarto dia ajoelhou
de fome.
No quinto adormeceu ao pé da baraúna.
No sexto foi encontrado e metrado pelos guardas.

E no sétimo
descansou.

Renata Pallottini  – Cantar meu Povo, Massao Ohno, 1980

D. QUIXOTE EXPLODE
             para Alfredo, meu pai

Todas as noites
minha rua explode
como Hiroshima
e Nagasaki
como a adolescente
que explodiu
o mundo no banheiro.

Como a Lagoa Rodrigo de Freitas,
num cogumelo
de peixes apodrecidos
que sobe ao topo
dos sergios dourados.

Cada estrela
estoura
e some
atrás da fumaça.
A Lua
não tem mais graça
é um astro rouco
e sem parceiro de espaço.

Explode o aço jovem
dos tempos de guerrilha
e a ilha
e a trilha
do mundo
explode minha família
a igreja, as mães e os filhos;
Deus se perde...

Explode meu pai
pelos ares
o último D. Quixote
do século
como um vento magro,
vai vendo
suas histórias
            acontecerem


 Denise Emmer (RJ 1958), in Flor do Milênio, Civilização Brasileira, 1981
(*) Alfredo Dias Gomes, dramaturgo


Um estado muito interessante

Conheço o meu país
no escuro – pelo tato.
E se me amarram as mãos nas costas
conheço pelo cheiro.
E se me tapam o nariz
ainda assim conheço o meu país
pelo que dele sobra
às minha volta.

Não conheço o meu país pela boca.
Não conheço o meu país pelos ouvidos.
Não conheço o meu país pelos olhos.

O que a boca solta o ouvido não encontra,
o papel não grava, o olho não recorta.

Conheço o meu país
mas não o conheço de dentro
Também não o conheço de fora.
Conheço-o de lado
Quer dizer que o conheço
sem relevo

Muito curioso esse país rasante
como um vôo rasteiro.

Meu país bicho-de-concha
para dentro de sua casca
sem contorno.

Mito curioso esse país no escuro
sem local exato de pouco para os dedos.

Muito curioso esse país de cheiros
sem apoio.

Muito curioso
e muito interessante.

O termo é este.

Um país interessante
é como uma mulher em estado interessante?

Uma mulher em estado interessante
sempre acaba
                       em trabalho de parto?

invevitavelmente? não há outra saída
além daquela prevista na barriga?

Um país muito barrigudo
é uma mulher inchada –
de basófia ou filhos?

A comparação nã ocabe, entre pessoas
estados, de corpo, alma e federativos?

Ou cabe até demais?

É isto mesmo.
Tudo cabe em um país.

Ou não?

Como tirar a dúvida? Por exclusão
do que primeiro?

estados? almas? pessoas?
o que ficar? sobra? federação? filhos?

o que faço
se não controlo as respostas
pela boca; assobio? (....)

No escuro meu país é simples.
Dois sentidos bastam.
                                 E sobram.

Se nenhum sentido
meu país teria
                       a mais perfeita ordem.

Zulmira Ribeiro Tavares, in 26 poetas Hoje, org. Heloisa Buarque de Hollanda, 1976, paulista, 1930


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